Sou viramundo virado

21 08 2013

Não sei se viro menina,
se viro mãe,
se viro todas.
Se viro artista,
se viro vento
ou viajante
Viro santa
ou viro doida
Quem sabe viro onça
Viro a mesa,
viro o jogo,
viro a página,
viro a vida do avesso
e viro outras
Sim,
eu me viro.

Yohana Sanfer





A vida também deve ter cheiro de cebola

4 03 2013

Cozinhar não é serviço, meu neto”, disse ela. “Cozinhar é um modo de amar os outros.”

Mia Couto no livro “O Fio das Missangas”.





A Lenda do Muiraquitã

19 09 2012

O Muiraquitã é considerado um verdadeiro amuleto da sorte, consiste num sapinho feito de pedra ou argila, é geralmente de cor verde e era confeccionado em jade. Os indígenas contam a seguinte lenda: estes batráquios eram confeccionados pelas índias que habitavam as margens do rio Amazonas. As belas índias nas noites de luar em que clareava a terra se dirigiam a um lago mais próximo e mergulhavam em suas águas retirando do fundo dele bonitas pedras que modelavam rapidamente e ofereciam aos seus amados, como um verdadeiro talismã que pendurado ao pescoço levavam para caça, acreditando que traria boa sorte e felicidade ao guerreiro. Conta a lenda que até nos dias de hoje muitas pessoas acreditam que o Muiraquitã trás felicidade e é considerado um amuleto de sorte para quem o possui. O Muiraquitã apresenta também outras formas de animais, como jacaré, tartaruga, onça, mas é na forma de sapo a mais procurada e representada por ser a lenda mais original.
As Icamiabas ofertavam a seus parceiros Guacaris, tribo mais próxima de nossas Amazonas, após o acasalamento na festa dedicada a Iaci, entidade considerada mãe do Muiraquitã e que anualmente durava dias. Conta a lenda, que depois de manterem relações sexuais, as Icamiabas mergulhavam até o fundo do lago espelho da lua, nas proximidades das nascentes do rio Nhamundá, perto do qual habitavam as índias, nação das legendárias mulheres guerreiras que os europeus chamavam de amazonas (mulheres sem maridos), para receber de Iaci o famoso talismã, o qual recebia as bênçãos da divindade.





Lançamento do documentário Mestre Saul Martins: Sua Vida e Sua Obra

10 09 2012

http://ophicinadecultura.com.br/sem-categoria/lancamento-do-documentario-mestre-saul-martins-sua-vida-e-sua-obra/

 





Projeto Fotográfico: Feet First

9 09 2012

Lembrança da querida Miroca:
http://blogideias.com/2012/09/projeto-fotografico-feet-first.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+blog_ideias+%28Blog+Ideias%21+Divers%C3%A3o+garantida+ou+seu+clique+de+volta.%29.

Fiz fotografias e ainda as faço em plano parecido. É o meu cartão-postal dos lugares por onde andei.





Por onde andei? Ops, onde andas?

22 07 2012

Amor eu sinto a sua falta
E a falta, é a morte da esperança
Como um dia que roubaram o seu carro
Deixou uma lembrança

Que a vida é mesmo
Coisa muito frágil
Uma bobagem
Uma irrelevância
Diante da eternidade
Do amor de quem se ama

Por onde andei?
Enquanto você me procurava
E o que eu te dei?
Foi muito pouco ou quase nada
E o que eu deixei?
Algumas roupas penduradas
Será que eu sei?
Que você é mesmo
Tudo aquilo que me falta.

Nando Reis





Neurocientistas de todo o mundo assinam manifesto reconhecendo consciência dos animais

17 07 2012

http://vista-se.com.br/redesocial/neurocientistas-de-todo-o-mundo-assinam-manifesto-reconhecendo-consciencia-dos-animais/





Princípios da Permacultura

17 07 2012
  1. Observe e interaja.
  2. Capte e armazene energia.
  3. Obtenha rendimento
  4. Pratique auto-regulação e aceite retorno.
  5. Use e valorize os serviços e recursos renovaveis.
  6. Não produza desperdícios.
  7. Design partindo de padrões para chegar a detalhes.
  8. Integrar em vez de segregar.
  9. Use soluções pequenas e lentas.
  10. Use e valorize a diversidade.
  11. Use as bordas e valorize os elementos marginais.
  12. Use criativamente e responda às mudanças.




Ismália

9 07 2012

Lembrança da amiga Penha!

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar.

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a canta
Estava perto do céu,
Estava longe do mar.

E como um anjo pendeu
As asas para voar
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar.

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par.
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar.

Alphonsus de Guimaraens





De Moçambique

2 07 2012

Lembrança da colega Penha…

“Quem vive no medo precisa de um mundo pequeno, um mundo que pode controlar.”
“Os sonhos não encontram os respectivos donos quando homem e mulher dormiram entrelaçados.”
“Mulheres é bom quando não há amor, (…) vale a pena uma puta (…). Gastamos o bolso, não o coração.” 
 

Mia Couto, Terra Sonâmbula.





Fecundidade, generosidade, busca das origens

11 06 2012

A disposição para cultivar, em certo sentido, é uma aposta na vida, na renovação, no florescer e na frutificação. Ao mesmo tempo, significa doação e partilha, uma vez que, ao serem bem cuidadas, as plantas oferecem em troca o que têm de melhor: flores, perfumes, frutos, sabor e outros encantos.

Livro: O prazer de cultivar, 2009, p.07.





Congado de Minas

8 06 2012

… de Jessé nasceu a vara
da vara nasceu a flor, oiá meu Deus

E da flor nasceu Maria
de Maria o Salvador, oiá meu Deus
de Maria o Salvador, oiá

Calix Bento – Milton Nascimento





Estatutos do Homem

30 05 2012

Artigo I 
Fica decretado que agora vale a verdade. 
agora vale a vida, 
e de mãos dadas, 
marcharemos todos pela vida verdadeira. 
 
Artigo II 
Fica decretado que todos os dias da semana, 
inclusive as terças-feiras mais cinzentas, 
têm direito a converter-se em manhãs de domingo. 

Artigo III  
Fica decretado que, a partir deste instante, 
haverá girassóis em todas as janelas, 
que os girassóis terão direito 
a abrir-se dentro da sombra; 
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, 
abertas para o verde onde cresce a esperança. 

Artigo IV   
Fica decretado que o homem 
não precisará nunca mais 
duvidar do homem. 
Que o homem confiará no homem 
como a palmeira confia no vento, 
como o vento confia no ar, 
como o ar confia no campo azul do céu. 

        Parágrafo único:  
        O homem, confiará no homem 
        como um menino confia em outro menino. 

Artigo V  
Fica decretado que os homens 
estão livres do jugo da mentira. 
Nunca mais será preciso usar 
a couraça do silêncio 
nem a armadura de palavras. 
O homem se sentará à mesa 
com seu olhar limpo 
porque a verdade passará a ser servida 
antes da sobremesa. 

Artigo VI  
Fica estabelecida, durante dez séculos, 
a prática sonhada pelo profeta Isaías, 
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos 
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora. 

Artigo VII  
Por decreto irrevogável fica estabelecido  
o reinado permanente da justiça e da claridade,  
e a alegria será uma bandeira generosa  
para sempre desfraldada na alma do povo. 

Artigo VIII   
Fica decretado que a maior dor 
sempre foi e será sempre 
não poder dar-se amor a quem se ama 
e saber que é a água 
que dá à planta o milagre da flor. 

Artigo IX   
Fica permitido que o pão de cada dia 
tenha no homem o sinal de seu suor.   
Mas que sobretudo tenha  
sempre o quente sabor da ternura. 

Artigo X  
Fica permitido a qualquer  pessoa, 
qualquer hora da vida, 
uso do traje branco. 

Artigo XI   
Fica decretado, por definição, 
que o homem é um animal que ama  
e que por isso é belo, 
muito mais belo que a estrela da manhã. 

Artigo XII   
Decreta-se que nada será obrigado  
nem proibido, 
tudo será permitido,  
inclusive brincar com os rinocerontes  
e caminhar pelas tardes  
com uma imensa begônia na lapela. 

        Parágrafo único:  
        Só uma coisa fica proibida: 
        amar sem amor. 

Artigo XIII   
Fica decretado que o dinheiro 
não poderá nunca mais comprar 
o sol das manhãs vindouras. 
Expulso do grande baú do medo, 
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal 
para defender o direito de cantar 
e a festa do dia que chegou. 

Artigo Final.   
Fica proibido o uso da palavra liberdade,  
a qual será suprimida dos dicionários  
e do pântano enganoso das bocas. 
A partir deste instante 
a liberdade será algo vivo e transparente 
como um fogo ou um rio, 
e a sua morada será sempre  
o coração do homem.

Thiago de Mello





Aviso da Lua que menstrua

30 04 2012

Da Kenia direto das matas da Amazônia!

Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua…
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita..
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na “vera”
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos..
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a “cidade secreta”
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente
Ela é uma cobra de avental
Não despreze a meditação doméstica
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!…
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha…
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!

Elisa Lucinda





Nunca o mais do mesmo

30 04 2012

No mais, mesmo, da mesmice, sempre vem a novidade.

Guimarães Rosa





Quadrinha

29 04 2012

Lembrança das queridas do grupo de contação de histórias “Semeando Rosas” de Três Marias/MG:

“Eu de lá e tu de cá
no meio fica a lagoa.
De dia não tenho tempo,
de noite não tem canoa.”





Tabalhe, faça, produzida… Viva!

26 03 2012

Se quiseres que algo se faça, encarrega disso uma pessoa ocupada.

Provérbio chinês





Número 75

22 03 2012

Sem esforço de nossa parte, jamais atingiremos o alto da montanha. Não desanime no meio da estrada: siga à frente, porque os horizontes se tornarão amplos e maravilhosos à medida que for subindo.
Mas não se iluda, pois só atingirá o cimo da montanha se estiver decidido a enfrentar o esforço da caminhada.

Minutos de Sabedoria – Carlos Torres Pastorino





O ameaçado

29 12 2011

Este aí eu copiei do blog da amiga Aline (http://amilhasemilhas.blogspot.com/2011/12/ainda-nao-passou.html)… saudades..

O ameaçado

é o amor. terei de me esconder ou fugir.
crescem as paredes de seu cárcere, como em um sonho atroz. a bela máscara mudou, mas como sempre é a única. de que me servirão meus talismãs: o exercício das letras, a vaga erudição, o aprendizado das palavras que usou o vago norte para cantar seus mares e suas espadas, a serena amizade, as galerias da biblioteca, as coisas comuns, os hábitos, o jovem amor de minha mãe, a sombra militar de meus mortos, a noite intemporal, o gosto dos sonho?
estar contigo ou não é a medida do meu tempo.
o cântaro já se quebra sobre a fonte, já se levanta o homem à voz da ave, já escureceram os que olham pelas janelas, mas a sombra não trouxe a paz.
é, eu sei, é o amor: a ansiedade e o alívio de ouvir tua voz, a espera e a memória, o horror de viver o sucessivo.
é o amor com suas mitologias, com suas pequenas magias inúteis.
há uma esquina pela qual não me atrevo a passar.
agora os exércitos me cercam, as hordas.
(este quarto é irreal; ela não o viu.)
o nome de uma mulher me delata.
doí-me uma mulher por todo o corpo.
Jorge Luis Borges





Sobre o tempo

21 12 2011

Onde estão o passado e o futuro, se é que existem?

Santo Agostinho





Fotografias de Julio Bittencourt

14 12 2011

É muito interessante o seu primeiro livro lançado em 2008, chamado Numa janela do Edifício Prestes Mais 911, que é fruto de três anos de trabalho sobre uma ocupação no centro de São Paulo. Agora, a nova série fotográfica de Julio Bittencourt, sobre o Piscinão de Ramos, é bárbara!





23 – Provérbios Yorubás e Brasileiros

5 12 2011

O porco se suja na lama, mas ele diz que está tentando ser elegante.

ou

Criar desculpas para os próprios atos é a melhor maneira de permanecer no erro.

In: Provérbios. Mãe Stella de Oxóssi, Yalorixá do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Salvador, 2007.





14 – Provérbios Yorubás e Brasileiros

28 11 2011

Seu segredo, seu prisioneiro.

ou

Segredo dividido deixa de ser segredo.

In: Provérbios. Mãe Stella de Oxóssi, Yalorixá do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Salvador, 2007.





Círculo

28 11 2011

Boa indicação da amiga Ana Amélia…

Na sala de janta da pensão
tinha um jogo de taças roxo-claro,
duas licoreiras grandes e elas em volta,
como duas galinhas com os pintinhos.
Tinha poeira, fumaça e a cor lilás.
Comíamos com fome, era 12 de outubro
e a Rádio Aparecida conclamava os fiéis
a louvar a Mãe de Deus, o que eu fazia
na cidade de Perdões, que não era bonita.
Plausível tudo.
As horas cabendo todo o dia,
a cristaleira os cristais
(resíduo pra esta memória)
sem uma palavra demais.
Foi quando disse e entendi:
cabe no tacho a colher.
Se um dia puder,
nem escrevo um livro.
Adélia Prado





29 – Provérbios Yorubás e Brasileiros

11 11 2011

O redemoinho não leva o pilão.

ou

Quem é forte pode abalar-se, mas não é destruído pela tempestade.

In: Provérbios. Mãe Stella de Oxóssi, Yalorixá do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Salvador, 2007.





34 – Provérbios Yorubás e Brasileiros

8 11 2011

Faz da sua noite, noite; do seu dia, dia, você viverá com alegria.

ou

Vivendo cada coisa em seu momento, evita-se muito sofrimento.

In: Provérbios. Mãe Stella de Oxóssi, Yalorixá do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Salvador, 2007.





Solilóquio ao entardecer (ou coisas de mamãe)

22 08 2011

I

Interessante, amor, como depois de tantos descaminhos
de tantos desajustes, a vida vai ajeitando a felicidade,
ou a felicidade vai se ajeitando na vida, sem a gente perceber,
se enrodilhando em si mesma como um gato no tapete.

Como vamos reduzindo as proporções de nossos sonhos
(sem que nos apercebamos disto),
modificando nossos planos (aquelas aspirações que eram
como viagens à Marte),

limitando os horizontes de nossa felicidade,
e por isso mesmo, tornando-a possível, real, palpável,
capaz de ser possuída, sem nada perceber de seu conteúdo,
antes tomando uma forma imprevista. Apenas.

Estranho, amor, como a felicidade
pode se reduzir a um quase nada (sem deixar de ser tudo)
sem deixar de ser felicidade!

(Sabe uma coisa, amor? A gente só pode ser feliz depois
de ter andado muito, e ter provado
os tragos amargos da vida,
e depois que afinal a gente chega a uma espécie de filosofia
sobre o querer, e o poder alcançar…)

Interessante, amor, mas vamos concluindo que a renúncia
é a irmã mais velha da felicidade,
– Irmã Renúncia! – e só por ela, chegamos tantas vezes
aquela alegria de saber
quanto nos basta esse pouco que nos transborda das mãos…

II

Hoje, por exemplo, basta estar em casa, basta Você estar comigo
para que me sinta feliz…
De repente me ocorre que há hoje tanta gente que não pode estar em casa,
que não sabe o que é estar em casa – sentir vagamente, em torno
o calor de uma companhia que faz de cada coisa inanimada
algo que existe, e vibra, e sente, e sofre, e ama,
como um Ser.

(De deixe que lhe confesse, depois de tanto tempo lado a lado:
– nunca a casa me parece tão vazia, como agora
se acaso chego, e não a encontro…)
É tão fácil entender: Você está em toda parte: nas flores das jarras,
na porta entreaberta, no rumor da cozinha, na bolsa sobre a cama,
em tantos lugares! na ordem das coisas, no gosto dos detalhes,
(em tantos detalhes só acessíveis à minha percepção…)

Hoje, basta você estar em casa e já me sinto feliz,
se seu andar, seu vulto, sua voz,
“materializam” sua presença a todo instante.

Basta saber que cada providência sua é um pensamento em mim,
basta saber que vamos nos sentar juntos, à mesa ( e essa é
sempre uma hora de comunhão)
– e vamos nos deitar juntos… E até já não importa se
conversamos tão pouco
sobre o tão pouco de nossas vidas,
se nossos corpos apenas se tocarão, ao acaso, sob os lençóis,
como dois ramos acenando, na sombra, ao entardecer.

Quem nos vir há de pensar que somos apenas duas pessoas sentadas
à mesa,
conversando na sala,
vendo televisão,
duas pessoas dormindo na mesma cama;
e entretanto, que engano !
– somos dois mundos, duas vidas
construídas há tantos anos em tantos irreconstituíveis momentos,
unidas como fios, por duas agulhas que tecem
a mesma malha,
e eu não poderia olha-la como a olho, se Você não viesse de tão longe
em meu coração,
nem Você sorriria para mim desse modo, se eu não fosse para Você
tanta coisa de que talvez nem Você mesmo se aperceba.

Nao sei se consigo traduzir essa sensação de felicidade
que me vai possuindo inteiro – e se vai entranhando em mim,
numa infinita tranqüilidade
que sinto na alma, no coração, nas mãos, nos braços, no corpo todo,
sem nenhuma razão aparente,
e por tão pouco, dirão.

Mas hoje basta Você estar em casa, mais nada, apenas estar em casa,
na tua casa que é a minha casa, na nossa casa,
para que eu me sinta feliz.

III

Chega a ser tola, confesso, essa emoção que faz com que
me deixe ficar esquecido
numa poltrona, em silêncio, na penumbra, nesta hora quase noite…
E olhando as coisas em torno, e recostando o corpo pesado,
e cerrando os olhos para me ver melhor, me digo sem nenhum medo
que me sinto tão bem, tão em paz com a minha vida
que ate podia morrer.

(Nada deve haver de pior, afinal, para a felicidade,
que a gente chegar de volta, ao fim do dia,
e não encontrar em sua casa
senão uma casa vazia.)

Hoje, basta saber que continuamos juntos, a seguiremos assim
até o fim;
que tormentas medonhas não conseguiram separar-nos,
que vencemos obstáculos que pareciam intransponíveis
além das nossas forças;

– que continuamos juntos, no mesmo barco, como dois remadores
que ficaram em seus lugares quando as vagas cresceram,
e apertaram suas mãos aos duros punhos dos remos
e somaram a sua fé, a avançaram mais fortes, a sentiram que sobreviveram
porque estavam juntos.

Hoje, basta pensar que alcançaremos as calmarias do fim da viagem
quando as correntes e os ventos não estremecerão mais
nossos nervos cansados,
nem agitarão nossos cabelos grisalhos,
e, quem sabe? – chegaremos à terra, braços dados
um no outro, como antigamente, quando era o começo,
e cegos e aventurosos não conhecíamos o roteiro,
nem perigos e emboscadas…

Hoje, basta Você estar em casa para que me sinta feliz…

E nesse momento em que a felicidade parece se reduzir
e ficar mais leve,
para que a possamos carregar,
deixa que lhe confesse amor, que hoje, Você é sempre,
e é muito mais que aquele amor que foi, e continua sendo,
porque posso chamar Você agora
(e até a hora derradeira)
o que Você nao podia ser outrora:
– a minha companheira.
José Guilherme de Araújo Jorge. In: Quatro Damas, 1964.





Admirável tempo novo

22 08 2011

Há sapatos sujos a deixar na soleira da porta do tempo novo.

Mia Couto





Uma tese é uma tese

19 08 2011

Sabe tese, de faculdade? Aquela que defendem? Com unhas e dentes? É dessa tese que eu estou falando. Você deve conhecer pelo menos uma pessoa que já defendeu uma tese. Ou esteja defendendo. Sim, uma tese é defendida. Ela é feita para ser atacada pela banca, que são aquelas pessoas que gostam de botar banca.
As teses são todas maravilhosas. Em tese. Você acompanha uma pessoa  meses, anos, séculos, defendendo uma tese.
Palpitantes assuntos. Tem tese que não acaba nunca, que acompanha o elemento para a velhice. Tem até teses pós-morte.
O mais interessante na tese é que, quando nos contam, são maravilhosas, intrigantes. A gente fica curiosa, acompanha o sofrimento do autor, anos a fio. Aí ele publica, te dá uma cópia e é sempre – sempre – uma decepção. Em tese. Impossível ler uma tese de cabo a rabo.
São chatíssimas. É uma pena que as teses sejam escritas apenas para o julgamento da banca circunspecta, sisuda e compenetrada em si mesma. E nós?
Sim, porque os assuntos, já disse, são maravilhosos, cativantes, as pessoas são inteligentíssimas. Temas do arco-da-velha.
Mas toda tese fica no rodapé da história. Pra que tanto sic e tanto apud? Sic me lembra o Pasquim e apud não parece candidato do PFL para vereador? Apud Neto.
Escrever uma tese é quase um voto de pobreza que a pessoa se autodecreta. O mundo pára, o dinheiro entra apertado, os filhos são abandonados, o marido que se vire. Estou acabando a tese. Essa frase significa que a pessoa vai sair do mundo. Não por alguns dias, mas anos. Tem gente que nunca mais volta.
E, depois de terminada a tese, tem a revisão da tese, depois tem a defesa da tese. E, depois da defesa, tem a publicação. E, é claro, intelectual que se preze, logo em seguida embarca noutra tese. São os profissionais, em tese. O pior é quando convidam a gente para assistir à defesa. Meu Deus, que sono. Não em tese, na prática mesmo.
Orientados e orientandos (que nomes atuais!) são unânimes em afirmar que toda tese tem de ser – tem de ser! – daquele jeito. É pra não entender, mesmo. Tem de ser formatada assim. Que na Sorbonne é assim, que em Coimbra também. Na Sorbonne, desde 1257. Em Coimbra, mais moderna, desde 1290.
Em tese (e na prática) são 700 anos de muita tese e pouca prática.
Acho que, nas teses, tinha de ter uma norma em que, além da tese, o elemento teria de fazer também uma tesão (tese grande). Ou seja, uma
versão para nós, pobres teóricos ignorantes que não votamos no Apud Neto.
Ou seja, o elemento (ou a elementa) passa a vida a estudar um assunto que nos interessa e nada. Pra quê? Pra virar mestre, doutor? E daí? Se ele estudou tanto aquilo, acho impossível que ele não queira que a gente saiba a que conclusões chegou. Mas jamais saberemos onde fica o bicho da goiaba quando não é tempo de goiaba. No bolso do Apud Neto?
Tem gente que vai para os Estados Unidos, para a Europa, para terminar a tese. Vão lá nas fontes. Descobrem maravilhas. E a gente não fica sabendo de nada. Só aqueles sisudos da banca. E o cara dá logo um dez com louvor. Louvor para quem? Que exaltação, que encômio é isso?
E tem mais: as bolsas para os que defendem as teses são uma pobreza.
Tem viagens, compra de livros caros, horas na Internet da vida, separações, pensão para os filhos que a mulher levou embora. É, defender uma tese é mesmo um voto de pobreza, já diria São Francisco de Assis. Em tese.
Tenho um casal de amigos que há uns dez anos prepara suas teses. Cada um, uma. Dia desses a filha, de 10 anos, no café da manhã, ameaçou:
– Não vou mais estudar! Não vou mais na escola.
Os dois pararam – momentaneamente – de pensar nas teses.
– O quê? Pirou?
– Quero estudar mais, não. Olha vocês dois. Não fazem mais nada na vida. É só a tese, a tese, a tese. Não pode comprar bicicleta por causa da tese. A gente não pode ir para a praia por causa da tese. Tudo é pra quando acabar a tese. Até trocar o pano do sofá. Se eu estudar vou acabar numa tese. Quero estudar mais, não. Não me deixam nem mexer mais no computador. Vocês acham mesmo que eu vou deletar a tese de vocês?
Pensando bem, até que não é uma má idéia!
Quando é que alguém vai ter a prática idéia de escrever uma tese sobre a tese? Ou uma outra sobre a vida nos rodapés da história?
Acho que seria um tesão.

Mário Prata, crônica publicada no jornal O Estado de Sao Paulo em 7 de outubro de 1998.





Pai Maior

18 08 2011

É fácil compreender porque é que tudo é belo nos olhos de Deus. Ele vê do alto, e tudo é belo visto pelas alturas.

CHIZIANE, Paulina.  Balada de Amor ao Vento. 5ª ed. Maputo: Nadjira, 2010, p.25.